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Vetos - 473, de 31.7.1993 - 473, de 31.7.1993 Publicado no DOU de 2.8.1993 Projeto de Lei nº 3.610, de 1993 (nº 127/93 no Senado Federal), que "Altera dispositivos da Lei nº 8.542, de 23 de dezembro de 1992, e dá outras providências".

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

MENSAGEM Nº 473, DE 31 DE JULHO DE 1993.

        Senhor Presidente do Senado Federal,

        Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do parágrafo 1° do artigo 66 da Constituição Federal, decidi vetar integralmente o Projeto de Lei n° 3.610, de 1993 (n° 127/93 no Senado Federal), que "Altera dispositivos da Lei n° 8.542, de 23 de dezembro de 1992, e dá outras providências".

        Consultado, o Ministério da Fazenda assim se pronunciou:

"O projeto de lei origina-se da crença de que se tornou inadequada, face à aceleração da inflação, a atual política salarial (Lei n° 8.542, de 23.12.92). As principais características da política salarial em vigor são: (I) a separação dos trabalhadores em quatro grupos superpostos, conforme a sua data base; (II) o fechamento no quadrimestre, ou seja, a reposição da inflação integral, medida pelo IRSM, no fim do quadrimestre; e (III) antecipações bimestrais de 60% da inflação acumulada no bimestre.

Com efeito, a política salarial atual, em tese, comporta-se mal diante de uma aceleração da inflação, pois não preserva adequadamente o valor real do salário. Ao simularmos, por exemplo, o comportamento do salário real médio diante de uma aceleração gradual da inflação de aproximadamente 20% em março de 1992 até cerca de 30% nos dias de hoje, observaríamos, em tese, uma perda real da ordem de 25%. Todavia, o comportamento do salário real efetivamente observado é bastante diverso, verificando-se, nesse mesmo período, um ganho real de cerca de 17%, o que deixa dúvidas sobre a alegada ineficiência da política salarial em vigor. Na verdade, a política salarial estabelece "pisos" a partir dos quais as negociações têm lugar.

É singular a situação do mercado de trabalho nos últimos meses. Durante o período 1990-1992, a indústria brasileira empreendeu um extraordinário processo de ajuste. A recessão e a abertura produziram um inusitado movimento de enxugamento, através do qual a indústria reduziu o emprego muito mais do que a produção, ou seja, elevou consideravelmente a produtividade do trabalho. Este movimento se deu principalmente através da dispensa de trabalhadores de menor qualificação, e por conta disso explica-se a melhoria na remuneração média. A partir do terceiro trimestre de 1992, com a recuperação da economia e o aquecimento das vendas, a remuneração real média começa a crescer rapidamente, mas não o emprego. A indústria parece hesitar em efetuar novas contratações, a despeito do crescimento das vendas. Com isso, crescem as horas trabalhadas para um mesmo número de trabalhadores empregados e, portanto, o pagamento de horas extras. Essas condições tornam a retomada do emprego crucialmente dependente da evolução dos custos do trabalho. A implementação do projeto em tela seria catastrófica em termos do crescimento do emprego, e poderia, pior ainda, desencadear ondas de demissões motivadas pela inviabilização de um grande número de pequenas empresas, grandemente dependentes do fator trabalho.

Deve ser evidente que a adoção descuidada do reajuste mensal como instrumento de redistribuição de renda em uma economia experimentando inflação da ordem de 30% é uma proposta sem cabimento. Isto não quer dizer que o reajuste mensal em si seja inflacionário ou recessivo. Tudo depende da maneira de implementá-lo e, em especial, do nível de salário real onde começa o reajuste mensal, se no "pico" ou abaixo dele, bem como das regras de entrada na nova política. O projeto, todavia, reúne diversos inconvenientes: (I) a nova política tem início com todos os trabalhadores no "pico", ou seja, em uma situação onde toda a inflação acumulada anterior é concedida como reajuste; (II) os quatro grupos de trabalhadores são colocados no "pico" ao mesmo tempo, ou seja, os quatro grupos de datas base são unificados; e (III) o projeto toma como referência o mês de maio de 1993, de modo que, a ser adotado em agosto, incluiria três reajustes mensais acumulados, perfazendo reajustes superiores a 100% por cima dos outros reajustes devidos por conta da "zeragem" da política anterior.

Para se avaliar as implicações do projeto convém recordar os efeitos da adoção de proposta semelhante, ainda que não tão violenta, em 1989. Naquela ocasião o reajuste mensal foi adotado logo após o Plano Verão, e a aceleração da inflação que se seguiu não pode ser desligada do reajuste mensal e também, e especialmente, da adoção do ganho real mensal de 3% no salário mínimo (quando o Congresso derrubou o veto do Executivo a uma lei do mesmo deputado Paulo Paim). A inflação se acelerou a partir de um patamar inferior a 30%, logo após a saída do Plano Verão, para o recorde de 84% mensais às vésperas da posse do novo governo. O reajuste mensal e o ganho real .de 3% não impediram que o salário mínimo perdesse 30% de seu valor real corroído pela aceleração da inflação causada pela própria lei; e que o conjunto dos outros salários perdesse 8% reais apesar da enorme liberalidade com que foi tratada a questão salarial naquela ocasião.

Deve-se também registrar o consenso avassalador entre profissionais da área econômica no tocante às implicações do reajuste mensal na forma proposta pelo projeto. Diversas simulações foram conduzidas por vários consultores privados, e há concordância absoluta em que a adoção do reajuste mensal nos termos propostos pelo projeto produziria uma notável aceleração da inflação c, pior ainda, resultaria em uma queda real do salário. Simulações conduzidas pela Secretaria de Política Econômica, procurando avaliar a evolução do salário real e da inflação na eventualidade da adoção do projeto em tela, confirmam amplamente esses resultados, conforme pode ser visto abaixo:

MÊS

SALÁRIO REAL

INFLAÇÃO

julho -1993 100.0 30.0
agosto 123.1 30.0
setembro 116.2 37.7
outubro 111.8 43.1
novembro 103.4 54.7
dezembro 94.7 69.0
janeiro-1994 90.6 76.6
fevereiro 89.6 78.5

À guisa de conclusão convém lembrar que -- e a História o demonstra fartamente -aumentos nominais de salário nominal não geram aumentos reais de salário, senão de forma efêmera e necessariamente gerando inflação. Infelizmente, não é possível determinar, por força de lei, o poder de compra do salário. Não deve haver ilusões sobre os "ganhos reais" de salário que seriam produzidos pelo projeto. Os "ganhos" são aparentes, pois só existem se, por hipótese, mantem-se constante a inflação. Uma vez considerada a reação dos segmentos para os quais o salário é custo, ou seja, empresários, governo, prestadores de serviços, pequenos e grandes, o repasse aos preços é inevitável. As simulações acima relatadas, bem como a experiência de 1989, demonstram com absoluta clareza que o projeto em tela é deletério para o trabalhador a quem justamente pretende beneficiar.

Os efeitos do projeto no tocante à Previdência, bem como sobre as finanças da União são igualmente deletérios. Estima-se que, caso seja adotado o projeto, os benefícios previdenciários aumentem cerca de US$ 4.9 bilhões anualmente. Na mesma linha, os gastos com a folha de salários do funcionalismo público federal seriam elevados em cerca de US$ 5.2 bilhões anualmente. Somando-se a isto o impacto nas finanças públicas de outras esferas de governo, bem como sobre os gastos com pessoal das empresas estatais, não resta dúvida que um dos principais impactos do projeto em questão é o de deteriorar consideravelmente a já extremamente delicada situação fiscal em que se encontra o setor público brasileiro."

        Estas, Senhor Presidcnte, as razões que me levaram a vetar totalmente o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional, destacando-se, no entanto, o esforço empreendido pelo Governo através de negociações com representantes corporativos de empresários e trabalhadores, no sentido de encontrar uma solução equilibrada de política salarial a ser urgentemente enviada ao Congresso Nacional, para a devida e necessária avaliação.

Brasília, 31 de j ulho de 1993.

        Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 2.8.1993


Conteudo atualizado em 10/02/2024